terça-feira, 14 de abril de 2009

Para melhor ENTENDER O CONCERTO DE PIANO E ELETROACÚSTICA

Para melhor ENTENDER O CONCERTO DE PIANO E ELETROACÚSTICA

TEXTO DE Fernando Iazzetta

A história da música eletroacústica tem seu marco inicial em outubro de 1948 com a difusão do Concert de Bruits pela Radiodiffusion-Télévision Française, RTF. As obras apresentadas eram uma série de pequenos estudos musicais realizados por Pierre Schaeffer na RTF e que refletiam seu interesse pelo som e suas propriedades musicais e acústicas, investigadas desde 1942 no Studio d’Essai (que em 1946 passaria a se chamar Club d’Essai), dirigido pelo próprio compositor. O material utilizado por Schaeffer eram gravações de sons de origens diversas (passos, vozes, máquinas), que eram posteriormente trabalhados e remontados no estúdio. Schaeffer iria cunhar o termo musique concrète em 1948 para designar essa música realizada a partir do material sonoro gravado e trabalhado experimentalmente por meio de montagens, colagens e outros tipos de transformações (por oposição a uma concepção tradicional de música que partia de abstrações sonoras preconcebidas, as quais podiam ser notadas em uma partitura e realizadas posteriormente por meio de instrumentos musicais).Na mesma época Werner Meyer-Eppler, foneticista e especialista em acústica do Instituto de Fonética da Universidade de Bonn, Alemanha, realizava experiências com síntese sonora, ao mesmo tempo que especulava sobre sua possível aplicação em música. Em 1951, Meyer-Eppler e o compositor Herbert Eimert juntaram-se a Robert Beyer, da Nordwestdeutscher Rundfunk, NWDR, para criar o estúdio de Colônia onde se desenvolveria a elektronische musik (música eletrônica). Embora usassem técnicas de gravação e montagem semelhantes às realizadas nos estúdios da RTF em Paris, essas técnicas eram aplicadas apenas a sons de origem eletrônica, gerados por osciladores elétricos. O material sonoro (basicamente ondas sinusoidais e ruídos) era manipulado por meio de processos de síntese, modulação de amplitude, filtragem e reverberação e, depois, fixado em fita magnética. Em 1953, a convite de Eimert, Karlheinz Stockhausen torna-se membro do estúdio e um de seus principais colaboradores, vindo a desempenhar um papel definitivo na produção da música eletroacústica. O interesse de Eimert pelo método serial dodecafônico e a colaboração de compositores como Stockhausen, Karel Goeyvaerts, Gottfried Michael Koenig e Henri Pousseur, todos eles preocupados com o desenvolvimento de um pensamento serial, levou o estúdio de Colônia a ser identificado com a estética da música pós-weberiana.Durante as décadas de 50 e 60 diversos estúdios, laboratórios e centros de pesquisa dedicados à produção musical por meios tecnológicos foram se formando por todo o mundo. Apesar da forte polarização estética e ideológica exercida pelas músicas concreta francesa e eletrônica alemã nessa fase inicial, rapidamente os compositores passaram a juntar os procedimentos das duas correntes em suas obras e o termo música eletroacústica, introduzido em meados da década de 50, passou a denominar de modo mais genérico toda a produção musical que envolvia a utilização de meios eletroeletrônicos.No Brasil, ao contrário de outros países latino-americanos, como Argentina, Chile e Venezuela, as experiências eletroacústicas demoram a se estabelecer. Apesar disso, já no início dos anos 50 o compositor Reginaldo de Carvalho obteve uma bolsa para ir a Paris, onde estudou com Paul Le Flem e realizou estágio de música concreta no antigo Centre Bourdan, com Pierre Schaeffer. Interessado pelas técnicas da música concreta, compôs em 1956 as primeiras obras eletroacústicas brasileiras (Sibemol, Temática e Troço I). De volta ao Brasil, Carvalho dirigiu o Instituto Villa-Lobos, no Rio de Janeiro, que se tornou um centro para pesquisa e divulgação da música experimental. É lá que outro precursor da música eletroacústica brasileira, o compositor Jorge Antunes, encontra espaço para desenvolver suas pesquisas em música eletrônica, compondo no início da década de 60 as primeiras peças brasileiras realizadas com sons eletrônicos (Pequena Peça para Mi Bequadro e Harmônicos, 1961; e Valsa Sideral, 1962).Apesar dos trabalhos pioneiros de Carvalho e Antunes e, posteriormente, de Jocy de Oliveira e do músico uruguaio radicado no Brasil Conrado Silva, a música eletroacústica demorou a encontrar espaço na produção artística brasileira. A dificuldade de acesso a equipamentos de custo proibitivo, aliada a uma postura tradicionalista que reinava nas instituições de ensino musical, fizeram com que a produção eletroacústica demorasse a deslanchar, e boa parte das composições realizadas nesse período deve-se à iniciativa de compositores que trabalhavam isoladamente e de modo precário em estúdios improvisados. É somente por volta dos anos 70 que se observa o início de uma produção mais regular e consistente a partir do envolvimento de outros compositores, como Rodolfo Caesar e Vania Dantas Leite, com a prática eletroacústica.Durante as décadas de 70 e 80 surgem os primeiros cursos de música eletroacústica em universidades brasileiras, os quais passam a despertar o interesse de uma nova geração de estudantes, ainda que o acesso à tecnologia necessária para a criação eletroacústica permanecesse restrito. É só a partir do fim dos anos 80, com o relativo barateamento dos equipamentos eletrônicos e o acesso aos computadores pessoais, que finalmente a produção eletroacústica pode expandir-se no país. Em 1981, surge o Estúdio da Glória, no Rio de Janeiro, como uma iniciativa pioneira na criação de um espaço independente para a produção eletroacústica, da qual participaram diversos compositores, entre eles Tim Rescala e Rodolfo Caesar.Nos anos 90 a criação de estúdios e laboratórios em diversas universidades brasileiras dá impulso decisivo à produção de música eletroacústica. Em 1994, o compositor Flô Menezes funda o Studio PANaroma, num convênio entre a Unesp e a Faculdade Santa Marcelina, onde se desenvolve uma atividade regular de pesquisa e criação musical de grande importância na consolidação da música eletroacústica no Brasil. Outros centros de pesquisa e criação, como o Laboratório de Linguagens Sonoras, LLS, da PUC/SP (atualmente dirigido pelo compositor Silvio Ferraz), o Laboratório de Música e Tecnologia, LaMut, da UFRJ (dirigido pelos compositores Rodolfo Caesar e Rodrigo Cicchelli Velloso), o Laboratório de Acústica Musical Informática, Lami, da ECA/USP (dirigido por Fernando Iazzetta e Marcos Lacerda), entre outros, têm oferecido um ambiente de amplo desenvolvimento das práticas eletroacústicas e sinalizam a crescente aproximação da atividade musical com os meios tecnológicos eletroeletrônicos.Outra iniciativa relevante foi a formação do Núcleo de Computação e Música, Nucom, em 1993, por iniciativa de músicos e pesquisadores como Geber Ramalho, Eduardo Miranda, Maurício Loureiro e Aluisio Arcela. Esse grupo estabelecido de maneira quase informal possibilitou, entre outras coisas, a realização anual dos Simpósios Brasileiros de Computação e Música, que promoveram o intercâmbio da comunidade nacional de pesquisadores na área da computação musical, bem como sua aproximação com músicos e compositores estrangeiros, especialmente latino-americanos. De grande importância foram também os Encontros de Música Eletroacústica, realizados por iniciativa de Jorge Antunes em Brasília nos anos de 1994 e 1997, bem como as Bienais Internacionais de Música Eletroacústica, Bimesp, e os Concursos Internacionais de Música Eletroacústica de São Paulo, Cimesp, por iniciativa de Flô Menezes.Atualmente, a disseminação de computadores pessoais com recursos de áudio e a facilidade para se montar um home-studio estão impulsionando o surgimento de uma nova geração de músicos interessados no uso de tecnologias eletrônicas e digitais aplicadas à música, embora na maioria das vezes esse músicos estejam mais envolvidos com as práticas da música popular do que com a estética eletroacústica. Apesar disso, hoje contamos com uma produção significativa em termos quantitativos e qualitativos e que começa a ter reconhecimento nos círculos musicais brasileiros e no exterior. Entretanto, falta ainda a realização de um trabalho de mapeamento amplo e, principalmente, de registro dessa produção que tem a maior importância na composição da história da música brasileira realizada nas últimas décadas.


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